Começo aqui uma série de análises sobre a obra de Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil" a luz da Teoria Geral do NOVO CPC.
Não nos demorando, comecemos com a seguinte constatação: Se o Estado chamou a si a tutela dos conflitos sociais, a função da justiça, então se apoderou do DEVER de tutela jurisdicional, criando a todos os interessados a pretensão à tutela jurídica, a que corresponde o seu dever de prestar aos figurantes o que prometera, resvalando no art. 5º, XXXV da CF/88.
Não nos demorando, comecemos com a seguinte constatação: Se o Estado chamou a si a tutela dos conflitos sociais, a função da justiça, então se apoderou do DEVER de tutela jurisdicional, criando a todos os interessados a pretensão à tutela jurídica, a que corresponde o seu dever de prestar aos figurantes o que prometera, resvalando no art. 5º, XXXV da CF/88.
O
fim do processo é aplicar a regra jurídica ao caso concreto. Preexiste
ao processo a regra jurídica que incidindo sobre o suporte fático, dá ao
interessado a pretensão à tutela jurídica. O Estado cumpre o que é o seu dever
de tutela jurídica decidindo; mas cumpre-o da seguinte maneira: se aplicar como
incidiu ou diferentemente, é ato que corresponde ou não à incidência. Porém,
independe de ser aplicada desta ou daquela forma, a prestação jurisdicional foi
entregue (MIRANDA : 1996).
Adolf
Wach
demonstrou em sua obra que o processo civil independe daquilo que é o objetivo
final das partes no processo. Ou seja, o processo independe do intuito de
“pacificação”. A finalidade do Processo Civil é, por outro lado, a realização
do direito. Esse é o efetivo
interesse do Estado: “A realização do
direito”. Da realização do direito é que decorre a pacificação social. Isso
quer dizer, “A função ‘pacificadora’ do
processo existe, mas é mediata. Imediata é a função ‘realizadora do direito
objetivo’” (MIRANDA : 1996).
Isso não quer dizer que o
processo seja aquela pacificação ou essa
realização. Confunde-se, aqui e ali, a finalidade de um instituto com a essência
deles. A confusão entre “ser” e “fim” leva à afirmações formalistas, de só se
poder conhecer essência pela finalidade. Não é essência do direito processual “realizar
o direito objetivo”; assim como também não o é “a pacificação social”. O que de
essencial há no direito processual é a aplicação do direito, e, veja-se, não só
a aplicação do direito pré-existente, como também a do direito que se revela no
momento mesmo da sentença (MIRANDA : 1996).
Ora,
o fim do processo é pré-processual (diretamente: realização
do direito objetivo; e, indiretamente: pacificação social) e estranho ao direito processual, pelo
menos em sua estrutura. O fim depende de certas regras sobre interpretação
e aplicação das leis dirigidas ao juiz. Regras que não se põe no processo em si.
O direito processual é meio, técnica. Os fins pertencem, na verdade, ao direito
público, ou melhor, à estrutura política de cada Ordenamento Jurídico. Quando
examinamos cada um dos princípios de algum Código de Processo Civil,
encontramos fins particulares, políticos, de cada um deles, e certos fins
gerais, que ondulam entre realizar
o direito e pacificar.
O Iura novit curia (o juiz conhece o direito) assegura vir que vem ao
direito processual em primeira linha a realização do direito objetivo, e não a
composição das partes. A realização do direito tem uma finalidade precípua de
gerência das relações sociais de modo juridicamente ordenado, ou seja, a
própria pacificação social, o que possibilita a conformação do elemento humano
e populacional, e não apenas esse. Ora,
A
população é concebida como um recurso, um trunfo, portanto, mas também como um
elemento atuante. A população é mesmo o fundamento e a fonte de todos os atores
sociais, de todas as organizações. Sem dúvida é um recurso, mas também um
entrave no jogo relacional (Raffestin, 1993:67)
Por esse motivo não pode ser
a pacificação social a finalidade imediata do processo. Esse fim não é
processual só, mas é o fim de toda a política jurídica. O processo é apenas a
aplicação do direito por um órgão do Estado, o que só por si demonstra que aplicação e processo não são
coextensivos. O credor que se paga com dinheiro do devedor que estava
em suas mãos nem por isso deixa de aplicar o direito. O devedor que, instado ou
não, pagou, também o aplicou. No fundo, só existe como diferencial o elemento autoritativo estatal. Fora
daí, cairíamos em distinção entre ideia e realidade do processo. Quando o
processo se afasta dos seus pressupostos, o autor não pode ser parte, quem diz
ser juiz não é juiz, o real não se separa ou se afasta da ideia do processo;
não há relação jurídica processual, que é efeito (MIRANDA : 1996).
Pensar-se que é essencial ao
processo a apuração da verdade, como é essencial à ciência, releva que não se
leva em conta terem existido períodos em que não se tinha tal escopo, e ainda
hoje o juiz têm por fatos verdadeiros circunstâncias e situações que não no
são. Tampouco é essencial ao processo realizar o direito objetivo.
Vejamos. Surgem certas consequências
da distinção entre função mediata (pacificação) e imediata (realização):
I.
O Estado é indiferente ao mérito, elemento de
fundo do processo, no que toca à sua pretensão à tutela jurídica. Do qual
decorre o princípio da imparcialidade do Estado Juiz, pois razão ou
sem-razão do autor é o elemento de pacificação.
a. Ora,
há ações que não supõem ter havido dissídio (tutelas constitutivas, por exemplo),
que justifique a provocação da função pacificadora.
Explicando:
·
“A actio
romana continua a existir independe da ‘ação’ no sentido de invocação do juiz, ‘plus’ que se junta à ‘actio’ quando se chama o obrigado a
juízo”
1 - Actio romana => atuação contra o obrigado (quer diretamente, quer através de outros particulares, quer do Estado)
2 - ajuizamento de pedido (mais restrito)
“Plus” = invocação do juiz. É o elemento medieval que se superpôs,
na cultura ocidental, à actio romana.
O
“plus medieval” + “actio romana” se
juntaram, mas não se
fundiram.
As petições iniciais contêm
a afirmação contra o adversário, mas não dirigida ao próprio, mas para que ele
a impugne ou não. Contêm também a comunicação de vontade de ver resolvido o
pleito, bem como a declaração de vontade que liga o Estado. O particular que
cobra de outro ou manda cobrar a dívida não judicialmente, exerce a actio sem o plus. Ou seja, não exerce a ação no sentido de querela judicial. “Ação” ou demanda ou lide é o
negócio jurídico com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a
questão, ainda que seja a questão de ser cabível ou não a constituição, o
mandamento ou a execução (MIRANDA : 1996).
O
que cria/produz a própria actio (actio
nata)? É o elemento violativo.
O
que cria a ação/demanda (actio+plus)? Capacidade de ser
parte + a pretensão à tutela jurídica.
O
que é pretensão? Posição potencial de exigir = estado de
poder produzir a actio romana.
Isso significa que a actio nata é o elemento violativo que
transforma a potência de exigir (pretensão) em efetivo exigir (MIRANDA : 1996).
Diz-se que na demanda
processual à tutela declarativa não há o pressuposto da violação. Ocorre
exercício da pretensão à tutela jurídica, ocorre ação/demanda, ocorre actio e ocorre uso de forma (rito). Mas
não deveria haver violação para haver actio? Respondo: Lá na actio não há sempre a
pretensão de direito material (não confundir com a pretensão à tutela
jurídica), sem ação. Há a pretensão à tutela jurídica, dizem outros, mais a
pretensão e a ação criada pelo texto de lei (MIRANDA : 1996).
II.
Sentença pacifica, efetivamente. Mas acima
disso, realiza o direito, de
modo que é perceptível a ligação (continuação) entre lei e sentença,
encaradas como produtos da atividade estatal.
a. Ou
seja, a sentença tem a função de realização do direito ainda que a decisão de
mérito seja desfavorável ao autor.
Demanda = “ação” (no sentido
só processual). É a actio romana somada
ao plus medieval. Por isso, pode haver demanda, ‘ação’, e decidir-se que o autor
não tem actio (o direito material),
ou que não tem ação nem pretensão, ou que não tem ação, nem pretensão, nem
direito. Quem exerceu ação declarativa, e perdeu, teve afirmação de que não tem
o direito, a pretensão ou a ação que disse ter (MIRANDA : 1996).
I.
Os poderes e deveres do juiz
sobrelevam, de modo que, para ele, os princípios processuais são,
em regra, cogentes, e não dispositivos.
a. As
concepções que desatendem ao caput e
à consequência I.
levam a erros de interpretação das leis processuais e a confusões que não
deixam revelar a “vontade de volver ao passado”, própria de estados de crise
social.
b. “Iura novit curia”
A relação jurídica processual é entre autor e Estado. Poderá se completar com a angulação (autor, Estado; Estado, réu), porém a angulação não é elemento essencial à configuração da realização jurídica processual entre o autor e o Estado, nem se exclui com a falta de angulação a reciprocidade nem a pluralidade de autores ou réus (MIRANDA : 1996)
Gráfico de Konrad Hellwig:
No
sistema da angularidade necessária: A relação jurídica processual se perfaz com
a citação do réu. A relação pode surgir desde o despacho ou do seu trânsito em
julgado, porque a relação pode ser só entre o autor e o Estado, não havendo a
necessidade de angularizar e aperfeiçoar a relação processual (MIRANDA : 1996).
A
relação jurídica processual exsurge, de ordinário, com a apresentação da
demanda; portanto, no momento mesmo em que o juiz toma conhecimento da petição
e não a repele. A citação completa a angularidade. O despacho, na petição,
estabeleceu a relação jurídica processual "autor Juiz", a citação, a
relação jurídica processual "Juiz réu"(MIRANDA : 1996).
Admitindo-se a extinção do
processo (não a inexistência do processo!) por meio da sentença terminativa, art.
485 do CPC, está aí a prova de que a relação jurídica processual se forma se o
juiz não repeliu, ab initio, como
inepta, a petição (MIRANDA : 1996). A angularização dependerá sempre da existência dos pressupostos processuais e pré-processuais.
Sobre os pressupostos processuais no pensamento de Pontes de Miranda, estudaremos mais tarde.
BIBLIOGRAFIA
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I: arts. 1º a 45. Rio de Janeiro. Forense, 1996.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.